Talvez a paixão das suas gentes pelo automóvel, e o declinar de uma indústria que é, hoje, uma ténue sombra do que foi nos seus áureos tempos, explique a forma arreigada como os britânicos se empenham em manter vivo o pouco que resta dessa gloriosa época em que as suas marcas, e os seus modelos, eram das grandes referências do sector. Hoje, das que subsistiram, a esmagadora maioria está na posse de conglomerados sedeados em outras paragens – sendo disso exemplos marcantes a Bentley e o Grupo VW (Alemanha), a Rolls-Royce e a Mini e o Grupo BMW (Alemanha), a Jaguar e a Land Rover e o Grupo Tata (Índia), a Vauxhall e o grupo Stellantis (França/Itália), a MG e o grupo SAIC (China), e a Lotus e o grupo Geely (China). E até a fleumática Aston Martin, nunca renegando as suas origens, bem pelo contrário, há muito que está sob “domínio estrangeiro” (propriedade da Ford entre 1987 e 2007, passou a ter o capital disperso em bolsa desde então, inicialmente controlado por fundos do Koweit, mais recentemente pelo multimilionário canadiado Lawrence Stroll – pai do piloto de Fórmula 1 Lance Stroll – e pelo fundo de investimento publico da Arábia Saudita).
Mas eis que, uma vez mais, um nome sonoro, e emblemático, do mundo automóvel do Reino Unido é notícia: a TVR acaba de conhecer (mais) um novo dono, que promete trazê-la de volta à vida. Inicialmente, fazendo reviver a mais recente geração do Griffith, apresentada em 2017, mas sem nunca ter chegado a ver a luz do dia (por outras palavras, sem que nunca tenha tido início a respetiva comercialização), devido às recorrentes dificuldades financeiras que a têm assolado.




Ao renascer do desportivo de dois lugares abaixo se regressará. Para já, importa perceber em que moldes foi feito o negócio, e qual a estratégia para o futuro: a partir de ontem mesmo, a TVR Automotive passou a ser uma subsidiária da Charge Holdings Ltd., grupo que nasce na sequência da aquisição da falida (em 2024) Charge Cars, criadora de uma versão do século XXI, 100% elétrica, do “mítico” Ford Mustang Fastback de 1967, e detendora, ainda, do LAB364, empresa especialista em tecnologias de pintura e revestimentos.
O plano passa por criar, através de fusões e aquisições, um grupo automóvel multimarcas com reduzidos volumes de produção, as quais partilhem, entre si, propriedade intelectual, conhecimento na área do design e da engenharia, instalações (nomeadamente fabris), e recursos técnicos, tecnológicos e financeiros, assim criando uma plataforma capaz de potenciar todos os seus membros, de forma a introduzir novos modelos no mercado. A longo prazo, a meta é combinar legado e inovação num portfólio de marcas centradas na performance e no luxo, estabelecendo as bases para uma nova geração de automóveis britânicos de prestígio.
Regressando ao Griffith, no imediato, o objetivo é dar início à comercialização da sua já referida segunda geração, revelada em finais da década passada, e naturalmente equipada com motor de combustão – antes de alargar, no futuro, a oferta a novas tecnologias (leia-se: motorizações elétricas e/ou eletrificadas). Restando saber o quão próximo o automóvel de produção em série poderá ficar do desvendado há praticamente uma década: se não será difícil manter o motor 5.0-V8 atmosférico, com cerca de 500 cv, de origem Ford, tal como a caixa manual de seis velocidades, mais complicado poderá ser, como previsto, o recurso ao châssis iStream, criado por Gordon Murray (“pai”, entre outras criações geniais, do inesquecível McLaren F1, de 1992), uma vez que os respetivos direitos são, agora, pertença da Forseven (mais um nome recente no panorama automobilístico, que, em abril passado, anunciou a sua fusão com a McLaren), o que poderá obrigar a marca fundada pelo engenheiro Trevor Wilkinson, em 1946, a ter que encontrar uma nova plataforma.




Com 4314 mm de comprimento, 1850 mm de largura, e 1239 mm de altura, o “novo” TVR Griffith é um coupé desportivo com dimensões próximas das de um Aston Martin Vantage, mas mais compacto do que um Porsche 911 – dispondo, face a estes putativos rivais, da vantagem de um peso inferior a 1250 kg, graças ao recurso a uma monocoque compósita em fibra de carbono. Peso esse que, graças ao facto de o motor estar montado atrás do eixo dianteiro, estará distribuído de forma equitativa pelos dois eixos, e, tendo em conta uma potência na ordem dos 500 cv, garantirá uma relação peso/potência na casa dos 2,5 kg/cv, face à qual não espantarão a velocidade máxima superior a 320 km/h, e os 0-100 km/h cumpridos em menos de 4,0 segundos.
A colocação do motor, e a repartição do peso, serão fundamentais, também, para assegurar um desempenho dinâmico que se anuncia como de exceção, atributo para que concorrerão, de igual modo, a suspensão por triângulos sobrepostos, com amortecedores reguláveis, em ambos os eixos; e as rodas de 19” na frente e de 20” atrás, para incrementar a agilidade. Segundo a TVR, o Griffith usufruirá, igualmente, mais de “engenharia inteligente” do que sistema eletrónicos de assistência à condução, mesmo não dispensando dispositivos como o ABS ou o controlo de tração e estabilidade.
Por fim, no que ao estilo diz respeito, parece evidente que as imagens falam por si. Mas, também neste particular, é uma incógnita o quanto poderá ser transposto do modelo apresentado em 2017 para o que promete estar em breve no mercado, não sendo demais realçar que, no primeiro, ao invés de uma asa traseira, ou de um splitter dianteiro, de grandes dimensões, o apuro aerodinâmico era garantido, acima de tudo, pelo chamado “efeito de solo”. Estas, e outras dúvidas, a TVR garante esclarecer já no início de 2026, altura em que é esperado sejam desvendas todas as especificações do novo Griffith.














